quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A educação da Sensibilidade

VERA RUDGE WERNECK



(Texto de Reflexão IERP- FEVEREIRO/99)


Não há tema mais apaixonante que o da educação. Talvez porque por meio dele se possa, de certo modo, antecipar o futuro.
Realmente, é fascinante observar as idéias filosóficas que ao longo dos tempos vão se transformando em idéias educacionais e as práticas que delas decorrem.
A cultura ocidental herdou predominantemente o pensamento grego, com toda a ênfase que dava à racionalidade humana. Seus ideais passaram ao mundo ao mundo europeu e posteriormente ao brasileiro com uma força avassaladora, e a educação traduziu essa colocação privilegiando o conhecimento intelectual
Como conseqüência desse posicionamento, era considerado “melhor” quem mais conhecesse Era prezado, valorizado na sociedade o sábio, o intelectual, que era tido como culto. Mesmo o simplesmente ilustrado era bem conceituado.
Houve a fase da valorização da memória. Evoluiu-se depois, para as demonstrações de raciocínio lógico, em que não mais importava o armazenamento de conteúdos, mas a capacidade de solucionar problemas, para compreender textos complexos, e as provas passaram a ter suas questões na ordem inversa: perguntas capciosas que muitas vezes, tornavam-se dúbias e confusas, com o intuito de avaliar-se o raciocínio entendido com esperteza, como sagacidade.
Seguiu-se a idéia da construção do conhecimento, e os educadores em geral passaram a preocupar-se com o modo pelo qual cada aluno construía o próprio conhecimento, organizava o seu pensamento.
Surgiram então estudos sobre o processo cognitivo, sobre o material que veicula o conhecimento sobre as técnicas de transmissão, sobre o uso da tecnologia na aprendizagem.
A tônica passou em seguida da construção do conhecimento para a construção do sujeito. O que importava não era apenas a apreensão de informações, o desenvolvimento da inteligência, nem só a construção do conhecimento, mas a construção global do Homem, o desenvolvimento adequado da personalidade em evolução.
Ampliaram-se os objetivos e as técnicas e tornaram-se novamente necessárias às reformulações e reciclagens na área da educação.
Chega-se agora a uma nova constatação: é preciso educar a sensibilidade. Como por encanto, ao mesmo tempo, surgiram de todos os lados educadores dizendo a mesma coisa: não basta desenvolver a razão. É preciso estimular, desenvolver, aprimorar a sensibilidade do homem do futuro.
De pouco adianta o processo educacional trabalhar a racionalidade do aluno se o valor, o que importa na vida, não é conhecido pela classicamente chamada inteligência, mas pela sensibilidade.

Percebe-se agora ser a sensibilidade uma faculdade cognitiva, um meio para conhecerem-se os valores, ou seja, o que de qualquer modo vale para o ser humano.
Os educadores se dão conta da importância da educação da sensibilidade, e preparam-se para enfrentar os desafios desse novo campo de batalha. Na verdade, de pouco adiantam os conhecimentos científicos sem a sensibilidade para utiliza-los adequadamente.
Inúmeras são as áreas que exigem o desenvolvimento da sensibilidade.
A primeira modalidade nesse terreno é a que permite que cada um cuide de seu próprio físico. A criança deve conhecer o seu esquema corporal, suas necessidades fisiológicas e ser capaz de cuidar de si mesma, reconhecendo as exigências do seu corpo: o que comer, quando dormir, quando fazer exercícios, quando descansar etc...A sensibilidade apresenta-se no inicio como sensação. Exigindo a educação dos sentidos.
A sensibilidade para a verdade: rejeita o erro e a mentira, levando à pesquisa, à busca do verdadeiro.
A sensibilidade para a beleza: saber apreciar uma bela paisagem, emocionar-se, com o por do sol, com a imensidão do mar ou com as manhãs na serra é tão importante quanto se extasiar com a arte: a musica a, pintura, a poesia. Ser capaz de emoção estética é próprio do indivíduo educado.
A sensibilidade para o moral para o bem. Para a exigência do respeito e da justiça. A educação deve ter como objetivo sensibilizar para a injustiça, para a maldade, mobilizando o homem para que se levante contra elas.
A sensibilidade para o sagrado, para o transcendente, que faz com que seja ultrapassada a religiosidade ritualística e artificial e se atinja a prática religiosa consciente e livre.
Outro aspecto de grande importância é a sensibilidade par ao valor do símbolo. O símbolo tem papel fundamental na comunicação humana. Transmite uma mensagem que infelizmente, já não é tão captada por muitos. A bandeira nacional, o ramo de oliveira, a pomba branca etc... Uma sensibilidade bem desenvolvida emociona-se diante do símbolo e respeita-o não pelo que é em si mesmo, mas por perceber o que representa e a mensagem que transmite.
Finalmente a sensibilidade para o “outro”, para a pessoa do próximo com seus sentimentos, necessidades e peculiaridades. Desde o mais simples cuidado em saber se de algum modo não está incomodando, desde as pequenas atenções e delicadeza, fundamentais para o bem viver, das singelas regras de etiquetas até as preocupações com os problemas sociais e políticos.
Não de pode considerar como educado, por mais que possua diploma e títulos universitários, que fale vários idiomas ou que domine os segredos da informática, aquele que não tem a sensibilidade para o “outro”, para o social, aquele que tem a sensibilidade de um trator e segue a sua trajetória desrespeitando os direitos, ferindo, esmagando o próximo numa postura de “dono do mundo”.
É fundamental educação para a cidadania, para a consciência do dever de participar da vida da comunidade, de atuar em beneficio de todos. Os “Clubes do Cidadão” constituem uma demonstração desse esforço de educação de sensibilidade para o social que cada vez mostra-se mais necessário.
A educação de sensibilidade não invalida a o conhecimento intelectual, as abstrações da filosofia, as relações causais da ciência, a utilidade da tecnologia, mas abre uma nova frente, um novo campo a ser explorado pelos que se dedicam à educação.
Este objetivo ainda que trabalhado na pré-escola, à medida que avançam os estudos, é freqüentemente deixado de lado em prol do aprimoramento da razão.
Embora esse rápido e esquemático esboço pouco mostre do caminhar da educação no Brasil, é com muita satisfação e alegria que se pode constatar terem chegado a hora e a vez da educação da sensibilidade, que pode levar o homem do novo milênio a ser capaz de emocionar-se, de maravilhar-se, de extasiar-se e, assim, a utilizar a sua razão de um modo mais próprio e adequado à obtenção de sua felicidade.
VERA RUDGE WERNECK, é diretora do Colégio Padre Antônio Vieira e professora titular de pós-graduação em Educação da UCP.

O Globo 08/12/98
 Postado por:
Nertã

Um comentário:

  1. Ola boa noite, muito obrigado pelo seu texto,pois me ajudou no trabalho da escola. Tamo junto

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